domingo, 23 de janeiro de 2011

Uma vez um velho perguntou-me: por que vinde vós outros, mairs e pêros (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual faziam eles com os cordões de algodão e suas plumas.

Retrucou o velho imediatamente: e por ventura precisais de muito? – Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem muitos panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau Brasil com que muitos navios voltam carregados. – Ah! Retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que lhe dissera: Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? – Sim, disse eu, morre como os outros.

Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morre para quem fica o que deixa? – Para os filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. – Na verdade, continuou o velho, que, como atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que nos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados. (FERNANDES, 1989, p. 83-84 APUD SAVIANI, 2007 )

SAVIANI, D. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2007, p. 35.

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